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Colocado em prática em 2020, o sistema poderá ser ajustado para o pleito de 2022: o da escolha dos deputados estaduais e federais

O projeto do voto distrital misto, aprovado pelo Senado em 28 de novembro, deverá ainda neste ano ser discutido e votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal. É o que prevê Ana Marina de Castro, gerente de mobilização do Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização sem fins lucrativos, e que, desde sua fundação, em 2008, vem difundindo e defendendo a adoção desse sistema eleitoral híbrido no Brasil.

Em 2010, o cientista político Luiz Felipe D’Avila, fundador do CLP, deflagrou um movimento em favor da causa, denominado #Eu voto distrital, em que foram recolhidas assinaturas de 200 mil apoiadores. A instituição já formou mais de cinco mil líderes políticos no país. Tem, entre seus objetivos, a missão de promover mudanças transformadoras na gestão pública brasileira, realizando-se cursos, estudos de caso, programas de treinamento e movimentos coletivos, como o do voto distrital misto.

Em entrevista à B&R, a gerente de mobilização do CLP diz que, após o recesso de fim de ano na Câmara Federal, em fevereiro de 2018, iniciou uma série de ações junto aos deputados da CCJ, com vistas a dialogar e a prestar informações sobre o funcionamento do sistema distrital misto. Paralelamente, abriram-se canais de conversas com lideranças da maioria dos 25 partidos que ainda dividem as 513 cadeiras da casa. Um fato decorrente das recentes eleições é que o leque partidário na Câmara Federal ampliou-se para 30 legendas.

Com o início da vigência da Lei da Cláusula de Barreiras, a partir de 2019, prevê-se que a representação no Parlamento ficará reduzida a 15 partidos. Mesmo assim, como relata Ana Marina, a CLP terá de, até fevereiro, remapear e replanejar a sua operação na Câmara dos Deputados, tendo em vista a renovação de 47,3% das cadeiras do Parlamento, em decorrência das eleições deste ano. “Mas, independentemente desses fatores, até às vésperas do recesso, que se inicia em 22 de dezembro, trabalharemos intensamente para que o distrital misto tenha êxito na CCJ, o que consideramos realmente viável”.

Na hipótese de se encerrar a 55ª Legislatura (fev2015/fev 2019) com o Projeto de Lei do Senado tendo passado pelo crivo da CCJ, haverá um espaço de oito meses para que seja aprovado no plenário da Câmara dos Deputados, de modo a que o voto distrital misto tenha validade nas eleições municipais de 2020. Para tanto, precisa ser, necessariamente, sancionado pelo presidente da República até 2 de outubro de 2019.

De acordo com o Projeto de Lei do Senado, o distrital misto poderá ser colocado em prática nos municípios com mais de 200 mil eleitores, o que, pelos cálculos atuais, compreenderá 92 cidades brasileiras. A gerente do CLP afirma que a avaliação dos especialistas é a de que a adoção do novo sistema nas eleições municipais mostra-se “extremamente adequada para, posteriormente, ser implementada em uma escala muito maior, a das eleições gerais de 2022, na escolha de deputados estaduais e federais”.

A gerente do CLP é pós-graduada em Ciência Política e bacharela em Ciências do Estado, com ambos os cursos realizados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); é mestranda em Gestão e Política Públicas, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), formada em Direitos Humanos e Democracia no Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Também possui certificação executiva em Liderança Feminina pela l’ENA, na França, e de Liderança Adaptativa pela Harvard Kennedy School, em Cambridge, no Estado americano de Massachusetts.

Com uma renovação de 47,3% na Câmara dos Deputados, em que 243 das 513 cadeiras foram substituídas, como fica agora o trabalho de esclarecimento sobre o sistema de votação do distrital misto junto a todos esses parlamentares?

Haverá o esforço de se remapear o Congresso, de entender os principais grupos com os quais é necessário falar, explicando a eles o posicionamento do projeto. Temos, também, de identificar quais são os aliados e os possíveis resistentes à proposta, para que a gente possa se articular com os apoiadores e explicar a proposta a quem é resistente. Isso vai fazer parte da nova legislatura, que se inicia em fevereiro. Só que ainda temos um mês e meio da legislatura atual, até o recesso de 22 de dezembro, que termina em 2 de fevereiro com a posse do novo Congresso.

E o que fazer em um mês e meio restante de uma legislatura que chega ao fim?

É desafiante neste período de transição a sequência de duas aprovações do projeto: uma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e a outra no plenário da casa. Consideramos possível a aprovação na CCJ. Estamos trabalhando nessa articulação específica desde fevereiro de 2018. A comissão é permanente. Suas reuniões ocorrem semanalmente, e o projeto já foi pautado algumas vezes, estando previsto para entrar em pauta novamente agora após o segundo turno. Isso amadurecerá o entendimento do projeto para que seja votado. Então, a nossa perspectiva, agora, no final do ano é aprovar o voto distrital misto na CCJ. Neste período de transição, os parlamentares sentem-se mais à vontade para votar de acordo com as suas mais profundas convicções, ficando menos preocupados se a decisão que tomarem pode eventualmente afetá-los de forma negativa ou positiva. Os parlamentares também estão preocupados em deixar um legado para o país antes de finalizar suas legislaturas, contribuindo para uma mudança tão positiva, que é o voto distrital misto.

Diante do resultado das eleições, que determinou a maior renovação da Câmara nos últimos 20 anos, o que se pode depreender do clima geral da opinião pública em relação a um sistema novo, como o do distrital misto?

Estamos vendo como uma janela de oportunidade, que se abre à mais imediata introdução de um novo sistema de votação, porque os eleitores claramente não estão satisfeitos com a forma de funcionamento da nossa democracia e com a qualidade da nossa representação. Essa insatisfação - essa raiva - apresenta-se como uma janela de oportunidade para que coloquemos em prática, em um prazo bem curto, uma agenda positiva de mudança no nosso sistema de votação, que aproxime o eleitorado dos seus representantes, que diminua os custos de campanha, que aumente a transparência e, o que é essencial, permita ao eleitor direcionar seu voto àquele candidato com o qual ele verdadeiramente se identifique, em um sistema muito mais simples e representativo do que o tumultuado sistema hoje vigente.

Como é que funciona o distrital misto?

Peguemos como exemplo o Estado de São Paulo, que tem 70 deputados federais. Se o sistema fosse o distrital puro, o Estado seria dividido em 70 distritos. Ou seja: um distrito para cada cadeira de deputado na Câmara Federal. Em cada um desses distritos, escolhe-se um deputado. Mas estamos falando do distrital misto, que combina o voto do distrito com o voto no partido, para se garantir a representação de bandeiras da sociedade e manter o princípio da proporcionalidade do sistema eleitoral hoje vigente. Como o voto distrital misto é um sistema híbrido, apenas metade das cadeiras é eleita pelos distritos. Então, apenas dividem-se aqueles 70 distritos do Estado de São Paulo pela metade. Ficamos com 35 distritos. Em cada um desses distritos, os eleitores votam duas vezes para deputado federal: um voto vai para o candidato do distrito; e o outro voto vai para o partido, que apresenta previamente uma lista dos seus candidatos. A bancada federal de São Paulo terá 35 deputados federais originários da votação através do voto distrital, e os outros 35 deputados serão eleitos a partir da votação nas listas dos diferentes partidos.

E para os municípios, como é que se dá esse processo?

O sistema é o mesmo para a eleição dos vereadores. Fica ainda mais fácil, porque a disputa se dá apenas no município. Os distritos são divididos pelo número de cadeiras da Câmara Municipal. Em Porto Alegre, por exemplo, há 36 cadeiras. Dividindo-se por dois, são 18 distritos. A Justiça Eleitoral demarca no município porto-alegrense os 18 distritos. Em cada distrito, o eleitor vota em um vereador distrital e em outro vereador da lista partidária.

Com a aprovação do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça e, a seguir, pelo plenário da Câmara, quando o voto distrital misto já poderia ser colocado em prática?

Se o projeto for aprovado na Câmara até o dia 2 de outubro do ano que vem, um ano antes das próximas eleições, o distrital misto poderá ser colocado em prática já na próxima eleição municipal, definindo-se os vereadores com base nesse novo sistema eleitoral, em outubro de 2020. Será uma excelente forma de se planejar e de se testar o distrital misto nas eleições municipais, com vistas à sua posterior implementação nas eleições gerais de 2022, para as assembleias legislativas estaduais e para a Câmara Federal, que serão muito mais complexas.

Nos debates do Senado, em torno da proposta do voto distrital misto, o senador Lindberg Farias (PT/RJ), que agora não conseguiu se reeleger, criticou a proposta. Alegou que se diminuiria o espaço dos representantes que defendem ideias. E textualmente afirmou: “Vamos fortalecer a lógica paroquial. Os grandes prejudicados serão os deputados que têm votos de opinião, que defendem posições políticas”. O PT é contra o projeto?

Quando o senador Lindberg se manifestou sobre essa questão paroquial, estava falando do voto distrital puro. O voto distrital misto mantém a representação nas unidades da Federação, como um todo, e, ao mesmo tempo, promove uma aproximação dos representantes eleitos com o território. Por isso, é misto, e não puro. Mas, a maioria já entendeu - como ficou demonstrado na votação em que se aprovou o tema no Senado - que o efeito é exatamente o contrário da suposição de que fortalece o paroquialismo. Hoje, existem muitos feudos eleitorais, controlados por grupos políticos, que mantêm monopólios em regiões específicas, os denominados currais eleitorais. Os demais candidatos não conseguem promover suas candidaturas nessas regiões, que são dominadas por grupos políticos específicos. Então, a partir do momento em que se dividem os territórios do Estado, e se garante a qualquer partido a possibilidade de lançamento de um candidato para cada território e para cada distrito, desmantelam-se os currais. O voto distrital misto pode ser um caminho para se quebrar o monopólio de grupos políticos concentrados em uma determinada região, permitindo-se que o eleitor conheça e se comunique com novos candidatos e candidatas.

Fonte: Revista Bares & Restaurantes, edição 123. A entrevista completa está disponível na versão impressa.

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