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Célio Salles, conselheiro de Administração Nacional da Abrasel e franqueado do Bob's em Santa Catarina, aborda oito tópicos indicados pela Bares & Restaurantes, que incluem o futuro dos shopping centers, os vendedores ambulantes, o peso da confiança nas decisões de compra, o home office e as moradias distantes.

O empresário durante o 32º Congresso Abrasel, que discutiu a retomada de bares e restaurantes. Foto: Danilo Viegas

Por Valerio Fabris

Ganha ainda mais relevância o manifesto da Abrasel em prol dos
bares e restaurantes aberto às calçadas, ruas e espaços públicos


“O que já era prioritário, passa a ser ainda mais. Sem dúvida, as pessoas hoje têm mais consciência de que os espaços abertos são mais saudáveis e agradáveis. Essa consciência tornou-se irreversível. As pessoas podem até continuar indo a lugares fechados, mas elas querem compensar o período de confinamento. Valorizam-se ainda mais os espaços de convivência, confiáveis, seguros, arejados, iluminados, com alta qualidade da comida e dos serviços. Portanto, crescerão a demanda e a oferta de estabelecimentos com esse perfil”.

“Quando afirmo que cresce a preferência ao arejamento, não estou dizendo que os espaços fechados deixarão de existir. Continuarão existindo os bares e restaurantes aconchegantes e pequenos. Mas, se há alternativas, será preferível um lugar mais aberto e saudável”.

”O adensamento bem equilibrado e com diversidade de usos é bom. Exige menos deslocamento motorizado das pessoas. Em um raio mais curto, tem-se a moradia, o trabalho, o estudo, o entretenimento, a convivência. Há o restaurante na tua porta, e tu vais conhecer o teu vizinho. Somos pró-densidade, porque onde não há densidade e variadas ofertas de serviços é preciso andar de carro ou de ônibus”.

“Antes da pandemia, havia a tendência de moradia muito pequena, até mesmo sem cozinha,um detalhe que agora está sendo reavaliado. Acho que continuará sendo considerada a moradia compacta, valorizando-se os espaços externos de convivência. O coworking era o destino do mundo. Mas, ele pode existir dentro dos bares e restaurantes, como vi em cafeterias portuguesas, onde se têm esses espaços descontraídos e produtivos. É uma solução inteligente, porque há horários ociosos a muitos restaurantes, sobretudo os de self-service, ficam fechados depois do almoço”.

“O presencial ainda prevalece em várias situações de vida, mesmo que haja uma expansão de atividades remotas, como os home-offices. Na área do ensino, por exemplo. Nos Estados Unidos, define-se primeiramente a escola dos filhos, e, a partir dela, opta-se por um local próximo à moradia”.

A opção pela moradia em áreas adensadas não é a única corrente;
imóveis retirados valorizam-se com o home-office e com o delivery

“Já há indícios de valorização e maior procura dos imóveis retirados. Atende ao segmento das pessoas de maior poder aquisitivo, cujo trabalho pode ser feito a distância, sem a necessidade de interações pessoais. É uma tendência que desponta também pelo fato de que hoje, e cada vez mais, se poder comprar o que quiser, sem sair de casa. Entrega-se tudo em domicílio, até o pão”.

“Um movimento, como o da opção por morar nas vizinhanças que têm comércio e serviços diversificados, não cria uma única corrente. A facilidade de se trabalhar remotamente faz muitas pessoas pensarem em morar em condomínio, no sítio, na praia ou até mesmo em outro município. É uma tendência dominante? Não é. Nem todo mundo tem essa possibilidade. Isso não muda o real, que é a opção pela área adensada e de usos mesclados. Intensifica-se, sim, uma nova vertente”.

Maior flexibilidade nos pedidos de comida por telefone, com
variações do ‘drive thru’ e inovações do ‘pediu-pegou-levou’

“Até agora, só conhecíamos o delivery, a comida que eu peço e é entregue em casa. Quais são as incompletudes? Pode demorar para chegar, por falta de sincronismo entre o tempo que se finaliza o prato e o transporte. A comida pode chegar desarrumada. Foi transportada em uma moto que atravessa um percurso cheio de buracos”.

“Alternativamente ao delivery, por telefone pede-se para já ir preparando. E, ao entrar no restaurante, senta-se à mesa, e imediatamente se serve. Não tem que esperar pela meia hora do preparo à la carte. Também pode ser entregue na porta do restaurante, e levar para casa. Ou, ainda: “Estacionei aqui do lado; por favor, tragam pra mim”.

“A pessoa está indo para casa, no fim do expediente. Sabe que há uma ótima pizzaria no seu caminho. Liga e pede. ‘Estou passando aí para pegar’. Basta que se sincronize o horário. É melhor do que um motoqueiro”.

“As palavras em inglês são ‘take away, take out, drive thru, drive in’. Significam variações do receber o alimento pronto para se levar à casa. Esse conjunto completa o delivery. Isto é: o alimento pronto para consumo fora do restaurante”.

A valorização do comércio de vizinhança é nova megatendência,
unindo confiança, praticidade e fortalecimento dos elos sociais

“Megatendência é um conceito criado pelo escritor e conferencista americano John Nasbitt, lançado com grande repercussão mundial nos anos 1980. Tem muito sentido até hoje. Refere-se a fatores simultâneos que transformam as relações do consumidor e do produtor. São possibilitadas pelas mudanças sociais, comportamentais, tecnológicas e econômicas. Ou seja: é aquilo que, sob qualquer ponto de vista, faz sentido”.

“Porque se priorizar o consumo na vizinhança faz sentido? Porque é mais rápido, prático, conhece-se a pessoa que oferta o produto ou o serviço, e, por isso, nessa pessoa se confia. Gera interação social. Confiança é acreditar. É ter segurança, tanto no sentido da lisura quanto no que se refere ao zelo com a saúde. Este é um fator que se tornou ainda mais requerido, nestes tempos de receio, de medo”.

“Agora ficou ainda mais evidente que comprar perto é melhor, mesmo que estejamos pagando um pouco mais caro do que comprar longe. Descobrimos nesta quarentena que o vizinho resolve o meu problema, de forma mais simples e imediata”.

“Eis um exemplo. No supermercado que eu costumava comprar, as vendas online estavam com prazo de entrega de mais de um dia. Os três mercadinhos da minha rua, no entanto, entregavam na hora. No supermercado, eu tinha de recorrer ao site. Nos mercadinho, resolvo por telefone, com uma simples chamada pelo WhatsApp. É gente falando com gente. É imediato, interativo. Tem sentido econômico, social, de conveniência, de humanidade”.

“Isso vale muito para o nosso setor. O ambulante me propicia muito menos segurança do que o meu vizinho. Por isso, vem crescendo uma indústria constituída por pessoas que cozinham em casa para os vizinhos. Essa produção informal do vizinho tem ocupado um espaço importante, que pode continuar crescendo. Aí não há uma torcida de minha parte; há uma simples constatação. O ambulante de rua perde espaço. Um empreendedor informal pode propiciar uma boa relação de segurança, por meio de uma clara procedência, decorrente do fato de ser um conhecido vizinho.

“A questão da informalidade dessas cozinhas da vizinhança, é muito fácil de se resolver. Para se fazer um registro do MEI (microempreendedor individual) leva-se, exagerando, meia hora. O CNPJ (cadastro nacional de pessoa jurídica) do MEI permite – para o bem e para mal – a produção de alimentos no ambiente doméstico. A fiscalização é, em termos gerais, inadequada ou insuficiente. Mas, neste caso, o fiscal é o cliente, o vizinho. O cliente nem dá advertência. Se não aprovo, não gosto, não confio, não quero. Então, compra-se em outro lugar. Só o cliente é capaz de determinar uma condenação absoluta”.

“Na comida vendida na rua é diferente. Quando se pensa na comida de rua, pensa-se no churrasquinho de gato. Tem um cheiro ótimo. Mas não se sabe da origem; não se sabe o que se está comendo”.

O surto dos vírus deixará como legado uma redobrada higiene,
mas sem fazer dos bares e restaurantes ambientes de hospital


“O medo de hoje cederá lugar a uma vigilância natural. Os protocolos criados na pandemia deixarão de existir em algum momento. Os principais cuidados de higiene permanecerão, outros não. Na rede Burger King, que é a rainha do marketing, anuncia-se que a máscara passará a fazer parte dos uniformes dos funcionários, para o resto da vida. Duvido. O restaurante não é hospital. Não se quer conversar com um garçom que tem a boca coberta. A expressão labial e facial são importantes na comunicação”.

“A redobrada higienização das mesas, mais cuidados com os utensílios e as superfícies, isso sim será mantido. As pessoas evitarão tocar naquelas que não conheçam. A distância social é ditada pela distância da intimidade. Se tenho intimidade com um interlocutor, aproxima-me com um passo a mais. Hoje, se o peso da segurança nas atitudes das pessoas é de 50%, à medida que os vírus se esvaírem isso cairá para 40%, depois para 20%, inversamente proporcional ao aumento da segurança das pessoas. Lavar as mãos recorrentemente é um ambiento se incorpora”.

A confiança junto aos consumidores é uma reputação durável
que, se renovada cotidianamente, ajuda a atravessar as crises


“Este é um valor que ganha uma dimensão ainda maior. O restaurante que é bastante requisitado nesta era da pandemia está colhendo o que plantou. E colherá ainda mais ali na frente, depois que tudo isso passar. Essa escolha é um ato consciente”.

“O que eu me refiro quando falo de consciência? Sabe aquele amigo que tu gostas e confias? Em determinado, pediste ajuda a dois amigos. Um, prontamente, sem questionar, te ajudou; o outro, não. Dali para frente, tu passas a perceber os dois de forma diferente. Esta é uma relação que também vigora nos negócios. É a relação da segurança, da confiança. Se recorri a um estabelecimento, e fui bem atendido, às vezes até além das minhas expectativas, estabeleço com ele um laço de fidelidade”.

As aglomerações continuarão, sobretudo entre os de menor
renda, que têm pouco espaço em casa e precisam trabalhar

“Já no final de maio, percebia-se claramente que havia um comportamento distinto dos consumidores, de acordo com dois grupos de faixas de renda. O que se notou é que as classes populares saiam mais facilmente de casa. São aquelas pessoas que, infelizmente, têm pouco espaço dentro de casa e, também, em que, mesmo nas mais adversas circunstâncias, precisam trabalhar. Entre elas há as que convivem responsavelmente nesse ambiente do medo vírus, e há as descuidadas. No extrato superior de renda, é mais comum se identificar um pavor pela doença da Covid-19, mas são pessoas que podem optar por não sair de casa”.


É crescente a tendência americana e europeia dos shoppings
abertos, mas os fechados nas áreas centrais aqui permanecem

“Um dos motivos de shoppings abertos, arejados e horizontais é que se tornam mais baratos, porque o preço dos terrenos é menor, a construção é mais simples, e não necessitam de ar condicionado. Necessitam de terrenos mais extensos. São o contrário dos shoppings das áreas centrais. Precisam se verticalizar, em função do custo do terreno”.

“A tendência dos shoppings persistirá, como um espaço de convivência e de experimentação. A simples compra pode ser feita digitalmente. Mas esse público quer ver o produto, tocar, experimentar”.

“O fator segurança favorece o negócio dos shoppings no nosso país, porque é fechado, vigiado, controlado. No exterior, isso não é importante. No Brasil, cada vez mais se ampliam as áreas de alimentação”.

*Reportagem originalmente publicada na edição 134 da revista Bares & Restaurantes

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