Como dono(a) de um empreendimento gastronômico (bar, restaurante ou qualquer outro tipo) temos o direito de fazer o que quisermos em relação às nossas políticas de agendamento de reservas, horários, fechamento da cozinha, folgas e o que nos der vontade. Todavia, toda decisão tem uma consequência e nem sempre o cliente tem razão.
E se você fosse o(a) dono(a) de um espaço que leva “street” (rua na tradução) no seu nome e fachada, na Praia da Barra (local super turístico), em Salvador e ficasse a não mais que 20 metros da areia da praia, você impediria que um cliente com sunga e camisa t-shirt sentasse do lado de fora em uma mesa na calçada e pedisse um sanduíche para ele e a amiga?
Foi essa minha experiência em um local tipo pub, no tradicional bairro turístico de Salvador (BA), onde o circuito do carnaval Barra-Ondina acontece e que eu fui impedido de consumir por estar de sunga e blusa t-shirt.
Constrangido, o garçom entregou o cardápio e quando iria concluir o pedido, ele me disse: “Senhor, não é permitido sentar à mesa com roupas de banho.”
Eu brevemente reagi e disse que estávamos tão perto do mar e que não fazia sentido e convidei minha amiga a sair da mesa que ocupava a calçada da rua para irmos embora. Essa polêmica tem 3 lados e eu já escolhi o meu. Qual é o seu?
O contexto
Salvador é uma cidade historicamente marcada pelo turismo e sua economia tem forte participação neste segmento, principalmente no verão. De acordo com a Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador, 81% dos turistas que visitaram a cidade em 2024 não o fizeram pela primeira vez. Ou seja, são pessoas que voltaram.
O gasto médio foi de R$ 1.669,85 - sendo que 60% destes turistas viajavam sozinhos conforme aponta o Relatório de Pesquisa Turística desta Secretaria. O Farol da Barra fica entre dois pontos muito visitados no turismo litorâneo da cidade: a Praia da Barra e o Porto da Barra.
Logo, é comum em uma cidade litorânea que turistas e nativos saiam da praia e procurem algo para comer na rua sem a formalidade de um restaurante de alta gastronomia ou um ambiente mais sofisticado.
Inclusive, nessa região, pode-se inferir que os empreendimentos gastronômicos ali existentes possam direcionar suas ações mais para os turistas de verão do que para os locais.
O lado do(a) dono(a) e da equipe de limpeza
O mobiliário é uma questão importante e sabemos o quanto é caro trocar a mobília de um restaurante. Mas, ao mesmo tempo, mesas e cadeiras que ficam expostas ao sol e à chuva - como é o caso da experiência que eu vivi - não podem ter o argumento de que uma bermuda, biquíni ou sunga molhada pode estragar a mobília.
Agora, se a experiência for interna e com cadeiras que não são impermeabilizadas (com tecido), faz total sentido o dono se preocupar com a depreciação dos assentos - afinal, é ele que pagará o conserto.
Como moro no Rio de Janeiro (RJ), não gosto que alguém se sente molhado no meu carro após a praia e super entendo os motoristas de aplicativo que recusam corridas perto das praias.
Da mesma forma, fico preocupado com a equipe de limpeza que talvez tenha que limpar o salão e o banheiro mais vezes por causa da areia da praia - mas estar com ou sem bermuda não impedirá que a areia da praia esteja no corpo.
E, na ida ao banheiro (com ou sem bermuda), as pessoas costumam abaixar suas roupas íntimas e a areia cairá (se for esse o argumento de manter a limpeza do banheiro).
Mas, se mesmo assim o dono achar que não quer esse tipo de cliente, que ele sinalize com uma comunicação física visível que pessoas com trajes de banho não são bem-vindas. Uma comunicação sem ruídos facilita a vida empresarial.
O lado da Nouvelle Cuisine
A Nouvelle Cuisine é um movimento internacional que ganhou força a partir da década de 1970 e que reforça a identidade gastronômica francesa ao redor do mundo - seja pelas técnicas de preparo dos alimentos, rituais (entrada, prato principal, sobremesa) ou de comportamento à mesa (disposição de talheres, taças e outros rituais).
O Guia Michelin, por exemplo, é um importante exemplo de como esses rituais estão presentes neste contexto da Nouvelle Cuisine. A formalidade é uma das características deste movimento e muitos restaurantes da alta gastronomia se norteiam por esses ritos e rituais da Nouvelle Cuisine.
O que não faltam são regras para tornar uma experiência singular - até a distância entre as mesas é calculada diariamente por restaurantes que têm como objetivo buscar reconhecimento por parte dos prêmios e guias.
A formalidade é uma das características deste movimento que ganhou o mundo. Eu, particularmente, adoro ter uma experiência sofisticada e é claro que nessas ocasiões eu estarei mais formal para a experiência (nunca vou de bermuda).
O lado do cliente
A máxima de que cliente sempre tem razão não é mais uma regra - eu mesmo já pontuei aqui na B&R que sou contra essa regra - principalmente quando impacta na saúde mental de membros da equipe.
E, como clientes, podemos escolher onde e como ir e realizar nosso boicote caso não nos sintamos bem com algum comportamento de uma empresa ou de seus funcionários. É ultrapassada a regra de limitar o acesso de qualquer pessoa a um restaurante em função do que ela veste.
Em especial, em cidades turísticas litorâneas, é um tiro no pé espaços que vendem comida com mesas na calçada impedir o consumo a partir do uso de roupa de banho.
Em Salvador eu já fui convidado pelos dois principais restaurantes da alta gastronomia baiana (Origem e Manga) e que estão no 50th Best; e, é claro, que por mais que eles não façam qualquer tipo de limitação na reserva em relação ao traje, possivelmente eles não vão ditar a roupa dos clientes.
Claro que nestes espaços existe um traje subliminar que entendemos ser esperado pelos outros. Mas um pub, a 20 metros da praia, com mesas e cadeiras na calçada e que leva o nome de Street em sua marca, impedir que uma pessoa consuma sanduíche e beba cerveja (eles focam na comunicação de uma marca de cerveja) em pleno verão no final de tarde é inacreditável.
Reflexão final
Eu verdadeiramente acho que um empreendimento gastronômico que quer focar na formalidade e nas vestimentas não deveria estar na beira da praia numa cidade turística em pleno verão com mesas e cadeiras na calçada.
Vejo como uma porta fechada para os clientes que vão sair da praia (às vezes com fome) e parar em um lugar que vende sanduíches de carne para matar a fome pós praiana.
Investir no padrão da Nouvelle Cuisine como estratégia de formalidade é legítimo, mas não num local em que as cadeiras e mesas estão numa calçada, sem conforto, sem ar condicionado e em frente à praia.
Os corpos são vistos no presencial e no online (às vezes às escondidas) e qual o problema de mostrar as pernas numa cadeira na rua? Por que afastar o cliente que pode consumir e não deixar seu estabelecimento vazio?
Será que na hora de atrasar o salário dos funcionários o dono vai lembrar dos clientes que deixaram de consumir por causa de regras ultrapassadas em um contexto de cidade litorânea de verão? Esse é o meu ponto de vista e eu gostaria de saber o seu.
*Breno Cruz é professor efetivo do curso de Gastronomia da UFRJ, pós-doutor e pesquisador, criador do Festival Gastronomia Preta e do curso Pretonomia, avaliador da Forbes Under 30 e jurado do reality show Vida de Merendeira.